RIDE AROUND THE WORLD, viagem ao redor do mundo.
Convidamos amigos para mostrar o MUNDO DAS DUAS RODAS, tema que será aberto a todos que curte motos.
Se desejar publicar a sua história, envie um email para
abcmotoclube@gmail.com com muitas fotos, que iremos apreciar sua matéria com grande entusiasmo.
Para esta primeira "empreitada", selecionamos a história abaixo, e delicie com a grande coragem e determinação do autor. Este texto reflete muito bem como uma pessoa pode sentir toda esta liberdade desta frase e retrata o nosso mundo:
RIDE AROUND THE WORLD.
por Andréa Ottoni - Rômulo / Publicado em Viagens pela Europa
Uma das coisas que mais valorizo é a liberdade. Quando assisti ao filme
Easy Rider (Sem Destino), nasceu um sonho de fazer uma grande viagem de moto.
Este
sonho foi ficando para trás, pois quando se é muito jovem, achamos que
temos todo o tempo do mundo. Foi então que, aos 34 anos, super
estabilizada, trabalhando como engenheira mecânica em uma fábrica em São Bernardo do Campo (SP),
resolvi que era hora de me aventurar. Escolhi a Europa, pois lá poderia aproveitar para estudar alemão e inglês durante a viagem.
Continuei
trabalhando por mais alguns meses enquanto ia programando a aventura. O
visto seria um empecilho, já que os brasileiros só podem permanecer
três meses nos países da União Europeia e minha viagem seria de, no
mínimo, um ano. A não ser que me inscrevesse em algum curso pelo período
de um ano, não poderia obter o visto. Como meu objetivo não era ficar
em um único lugar, esta hipótese estava descartada. Assim, fui sem o
visto mesmo, na esperança de descobrir algum outro modo de ficar pela
Europa.
Desembarquei na Alemanha e fiquei estudando (Alemão) na cidade de Mannheim durante o inverno europeu.
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Instituto Goethe Mannheim, Alemanha |
Na Alemanha aproveitei o tempo bom para alugar uma BMW F650 e ir
"treinando". Durante uma semana andei de moto pelas redondezas e
descobri como a Alemanha é linda. Rodei por estradas secundárias, super bem-cuidadas, que passavam entre pequenas vilas com casas típicas.
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Moto BMW alugada
Mannheim, Alemanha
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Dois meses depois, como não pude comprar minha moto na Alemanha, pois só
é permitido para quem tem residência fixa naquele país, decidi começar a
viagem por Portugal. Voei para Lisboa e como tinha US$ 10.000 separados
para comprar a moto, comecei a procurar motos usadas, pensando nos
preços do Brasil. Em uma das lojas, ainda confusa com o cambio,
perguntei o preço de uma Honda CBR 600 F "zero km" e levei um susto:
fazendo a conversão de escudos para dólares, custava só US$ 8.200 (na
época R$.8.200).
Não conseguia acreditar. Por bem menos do que
previa consegui uma moto "zero". Comprei, lógico. Mas quando fui buscar a
moto, descobri que a documentação só ficaria pronta em dois ou três
meses. O vendedor prometeu agilizar, e fui para a cidade de Algarve
visitar amigos.
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Algarve, Portugal |
Fiquei um mês em Portugal e, embora a loja tivesse prometido
apressar os documentos percebi que não os teria antes de um mês. Parti
sem eles, pois me informaram que poderia utilizar a nota fiscal.
Combinei com meus amigos que eles os enviarem para a Alemanha assim que
ficassem prontos.
No fim de semana anterior à partida fui
assistir ao grande prêmio de moto velocidade de Jerez de La Frontera, na
Espanha. No caminho, via passarem por mim blocos de cinco a dez motos a
mais de 200 km/h. Eu não podia ir muito rápido, porque havia comprado
uma jaqueta de couro lindíssima que tinha o efeito de um pára-quedas
quando eu passava dos 150 km/h.
Esta viagem foi uma das
experiências mais emocionantes que já tive, pois conforme ia me
aproximando da Espanha, um numero maior de motos passava por mim. Em uma
parada para abastecimento havia cerca de 200 motos, de todos os tipos.
Mas quando cheguei a Jerez é que realmente me surpreendi. A estrada que
levava ao autódromo estava interditada no sentido contrário devido ao
grande número de motos: quatro pistas congestionadas. A maioria do tipo
custom.
Algo que só pensei que veria em filmes.
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Posto na estrada para o Grande Prêmio - Espanha
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Confirmei a grande quantidade de pessoas por ali quando fui procurar
um lugar para dormir. Não havia nada num raio de 60 km. Só achei em
Sevilha, a 90 km dali, e mesmo assim caríssimo. No dia seguinte fui ver a
corrida, com mais de 100 mil pessoas no autódromo.
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Grande Prêmio de Moto Velocidade de Jerez de La Frontera, Espanha
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Voltei por Lisboa, para tentar uma última vez, conseguir os
documentos da moto, mas foi em vão. Passei por Algarve para pegar minha
bagagem que, por sinal, era excessiva. Como mulher, confesso que
exagerei, pois não usei 25% do que levei, além do que comprei pelo
caminho (tive que despachar três malas para o Brasil durante a viagem).
Nessa
época, já estava na Europa há três meses, portanto no limite do meu
visto. Então, fui direto para a Alemanha. Passei pela França sem parar
sequer para dormir. Pilotei cerca de 1.000 km em um dia, e em três
estava na Alemanha. Durante esse trajeto fui me acostumando com as
sinalizações que, para meu alívio, eram padronizadas em toda a Europa.
Ao
chegar a Freiburgo, sul da Alemanha, fiquei em um hotel por cinco dias e
foi só ali que programei meu sistema de viagem. Ficava por quatro ou
cinco dias em uma cidade, para que não tivesse que fazer e desfazer a
bagagem, e durante estes dias viajava pelas redondezas cerca de 500 km
por dia.
Isso se tornou um dos meus maiores prazeres na viagem, pois o roteiro era decidido no próprio dia, após o café da manha.
Escrevia os nomes das cidades em um papel e fixava no tanque da moto,
lembrar aqueles nomes alemães era simplesmente impossível.
Freiburg, Alemanha
A Alemanha possui as estradas mais bonitas, melhores cuidadas e as
cidades mais pitorescas. É claro que estou falando das cidades pequenas,
pois as grandes são parecidas em todo o mundo. Na parte sul da Alemanha
existem as mais belas paisagens da Europa.
Enquanto viajava,
sozinha, acompanhando riachos límpidos com pequenas cachoeiras, sentia o
sangue correr pelas veias e a adrenalina fazia meu coração bater em
ritmo acelerado.
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Titisee – Schwarzwald, Alemanha |
Nos fins de semana, encontrava grande quantidade de motociclistas
nas estradas, sempre em grupos, pois eles têm muitos moto clubes. Mas o
que me surpreendeu foi a pequena quantidade de mulheres pilotando motos,
pois
pensei que no Primeiro Mundo "nós" seriamos mais numerosas.
Viajei,
só na Alemanha, 36.000 km em três meses e meio e não consigo me lembrar
de um único acontecimento desagradável. Nem mesmo um pneu furado. Os
policiais sempre muito educados e totalmente crédulos sobre minhas
explicações sobre o visto, ou mais precisamente, sobre a falta dele.
Tive algumas semanas de chuvas ininterruptas, mas não me impediram de
viajar um dia sequer.
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Vianden, Luxemburgo |
Castelo em Beaufort, Luxemburgo |
Uma das inúmeras despesas que fizeram meu orçamento estourar foram
as revisões periódicas na moto, pois a mão-de-obra na Alemanha é
caríssima. Na revisão dos 26.000 km tive que trocar os pneus, o kit de
relação (coroa, corrente e pinhão), pastilhas, gastei US$ 2.000. Esta
foi a última revisão da moto que fiz.
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Castelo Lichstein, Alemanha |
Enquanto estava viajando pelo sul da Alemanha fui assistir a um show
de música brasileira em Tübingen que é muito famoso. Nesse ano
estiveram lá a Daniela Mercury, Caetano, Chico César e outros. Nesse
show encontrei com os amigos que tinha feito durante o curso de alemão
em Mannheim.
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Show de música brasileira em Tübingen, Alemanha |
Durante minha viagem pela Alemanha fiquei em hotéis, que apesar de
não terem estrelas, eram agradáveis e custavam em torno de US$ 30,00 por
dia. Mas poderia ter economizado se tivesse ficado em Albergues da
Juventude (US$ 10,00).
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Hotel em Freundenstadt, Alemanha |
Meu pai e sua mulher foram me encontrar na Europa para viajarmos um
tempo juntos. Combinamos que eles também iriam de moto, pois meu pai
tinha experiência e já se aventurou pela América do Sul. No final ele
desistiu, pois estavam em dois e havia muita bagagem. Fui encontrá-los
em Bruxelas, na Bélgica, e viajamos para a Holanda, Dinamarca, Suécia,
Finlândia, Alemanha (do lado da antiga Oriental), Áustria e França.
Sempre no sistema de ficarmos alguns dias em uma cidade e conhecermos os
arredores diariamente. Eu viajando de moto e eles de carro, levando
parte da minha bagagem.
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Fronteira Alemanha/ Bélgica |
Na Holanda e Dinamarca a paisagem já muda completamente. A gente
fica até com sono, pois a paisagem é muito monótona, totalmente plana e
em certos trechos o vento é tão forte que chega a empurrar a moto.
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Estrada na Holanda |
Volendam, Holanda |
Foi na Finlândia que senti orgulho de estar fazendo aquela viagem, pois percebi
que estava muito longe de casa, saíra do Trópico de Capricórnio passara
pelo Equador, Trópico de Câncer e chegara ao Circulo Polar Ártico.
E alem disso, lá na Lapônia, fica a casa do Papai Noel. Eles têm uma
estrutura toda montada em cima disso, inclusive com um posto de correio
só para responder as cartas enviadas do mundo todo para o "bom
velhinho".
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Círculo Polar Ártico - Napapiiri, Finlândia |
Lapônia, Finlândia |
Na volta, ao passarmos pela fronteira entre a Alemanha e a
Dinamarca, havia controle e fiquei apreensiva ao cruzá-la, eles pararam
meu pai e chegaram mesmo a revistar o carro. Mas por sorte não me
pararam.
De novo na Alemanha, em Berlim, pude ver o que restou do Muro e alguns monumentos da guerra.
São
fatos que estudamos, mas que estão tão afastados de nós que somente
quando eles estão na nossa frente é que passamos a dar real importância.
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Catedral de Berlim - Berlim, Alemanha |
Igreja Gedächtniskirche - Berlim, Alemanha |
Quando estivemos em Munique, fomos a um jogo de futebol do Bayern
Munchen contra o Shalke 04, alem de conhecer a Oktoberfest, a Festa
original, com muita cerveja.
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Munique, Alemanha |
Oktoberfest - Munique, Alemanha |
Nos separamos na Alemanha, pois meu pai queria ir para a Republica
Tcheca e a Bulgária. Mas como eu tinha problema com o visto, não podia
ir. Viajei então sozinha novamente, descendo pela Alemanha e nos
reencontramos em Viena, na Áustria, onde cheguei seguindo os caminhos do
famoso rio Danúbio.
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Rio Danúbio na Áustria |
Castelo da Cinderela – Fussen, Alemanha |
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Hodômetro marcando 50 000 km |
Depois de irmos para a França e ficarmos em Paris, meu pai voltou para o Brasil.
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Torre Eiffel - Paris, França |
Então, comecei minha viagem de volta para Portugal para vender minha
fiel CBR 600F. Passei pela Espanha (Barcelona e Madri) e pelo Norte de
Portugal (Bragança e Porto). Foi em Bragança que tive meu único problema
com o visto vencido e o policial foi tão mal educado que tive vontade
de voltar ao Brasil o mais rápido possível. Ele me pediu o passaporte
original, mas no final me deixou ir sem me enviar para a imigração, o
que foi minha sorte.
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Bragança, Portugal |
Vendi minha CBR 600F com 54.000 km rodados em sete meses e meio de
viagem. Consegui apenas metade do que paguei, pois já estava na hora de
trocar os pneus, corrente, amortecedores etc...
No dia em que fechei negócio fiquei muito abalada,
já que sabia que seria difícil ter outra moto como aquela, zero km. Com
o dinheiro, paguei um curso de inglês de dois meses na Inglaterra e a
passagem de avião para o Brasil.
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Museu de cera - Londres, Inglaterra |
Picadilly Circus - Londres, Inglaterra |
Hoje tenho uma filha de 11 anos e já programei que quando ela fizer
18 irá passar um ano na Inglaterra fazendo intercâmbio, e nesse período,
já aposentada, farei outra viagem de moto, talvez por seis meses. Ainda
não decidi se será pela Austrália ou pelos Estados Unidos (Rota 66).
Clique na imagem abaixo para abrir uma apresentação com as fotos tiradas durante a viagem.